sexta-feira, 22 de março de 2024

PRISÂO PERPÉTUA? CAMILO MÓRTAGUA

 

 

PRISÂO PERPÉTUA?

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

 

Em tempo de campanha eleitoral, para obter efeito, dizem-se coisas, muitas coisas mesmo, umas corretas, outras descuidadas ou mesmo falsas.

Esta última campanha não foi exceção. E só por ter terminado, abordo o assunto.

Mariana Mortágua (BE), para “ilustrar” uma entrevista invocou, mais uma vez, a família, sem verdade ou rigor.

Inconscientemente? Não creio, pois trata-se de pessoa culta.

O irrequieto Camilo Mortágua, seu pai, participou num dos golpes mais famosos contra o Estado Novo, a “Operação Dulcineia”, iniciada na madrugada de 22 de janeiro de 1961, sob o comando do Cap. Henrique Galvão e inspirada por Humberto Delgado. Orquestrada pela Direção Revolucionária Ibérica de Libertação, consistiu em tomar de assalto o paquete Santa Maria, que transportava turistas em viagem de cruzeiro para Miami.

A 10 de novembro de 1961, com Hermínio Palma Inácio e outros, desviou à mão armada um avião da TAP, que efetuava o voo Casablanca-Lisboa, com o objetivo de sobrevoar a baixa altitude Lisboa e outras cidades portuguesas para lançar panfletos contra regime. Mais de 100 mil foram largados sobre Lisboa, Setúbal, Barreiro, Beja e Faro.

A 17 de maio de 1967, Camilo Mortágua, Palma Inácio, António Barracosa e Luís Benvindo assaltam a filial do Banco de Portugal, na Figueira da Foz, de onde desviaram cerca de 30. 000 contos (quantia bastante avultada ao tempo) alegadamente com o objetivo de financiar ações contra o regime salazarista talvez através da LUAR  Daquela quantia, ainda que em termos meramente políticos, tanto quanto sei  nunca foram “prestadas contas”….

Camilo Mortágua, em abril de 1975 participou na ocupação da Torre Bela/Azambuja, a maior área de terra agrícola murada de Portugal, com 1.700 hectares, propriedade do Duque de Lafões, processo documentado no filme Torre Bela  no qual aparecem personalidades como José Afonso e a que refiro no meu A GREI E A TERRA-Dicionário Histórico e Biográfico dos Tempos de Brasa (1974-1975)

Mariana Mortágua, afirmou que, durante o Estado Novo o seu pai, não só tinha feito “política na clandestinidade”, o que é verdade, como foi “condenado a prisão perpétua pela PIDE”, o que é falso. Aliás não cabia à PIDE a “tarefa de condenar”.

Importa esclarecer, liminarmente, que a prisão perpétua foi abolida em Portugal em 1884, 32 anos depois de ter sido abolida a pena de morte e nunca foi reinstaurada, nem objeto de tentativas.

Mortágua foi condenado à revelia, em cúmulo jurídico (não cúmulo aritmético) na pena de 17 anos de prisão maior, com sete dias de multa a 10$00 por dia, na sequência da tomada de assalto ao Santa Maria. Pelo assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, foi julgado e condenado, também à revelia, a 20 anos de prisão. Não consegui apurar o cúmulo jurídico final, que suponho mesmo assim não ter ultrapassado 20 anos.

Ao cúmulo jurídico de penas subjaz uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é punido com uma pena única. Vou tentar ser mais claro, como resulta do que aprendi na universidade e resultou da minha prática profissional como advogado de barra. O cúmulo jurídico tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo de que se trata, se verifica que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes. Em caso de pluralidade de crimes pelo mesmo agente é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.

Mortágua foi amnistiado, alegadamente por ter cometido crimes políticos, tipo legal que a lei portuguesa não contempla mais.

Conforme o Dec.- Lei 173/74 de 26 de Abril, Tendo a Junta de Salvação Nacional assumidos os poderes legislativos que competem ao Governo, decreta, para valer como lei, o seguinte:

Artº 1º

1. São amnistiados os crimes políticos e as infracções disciplinares da mesma natureza. 
2. Para o efeito do disposto neste decreto-lei, consideram-se crimes políticos os definidos no artigo 39º, § único, do Código de Processo Penal, com inclusão dos cometidos contra a segurança exterior e interior do Estado
.

Jorge Sampaio atribuiu-lhe a condecoração de Grande Oficial da Ordem da Liberdade, a 10 de junho de 2005.

Em nenhuma das condenações de Mortágua se verificou uma pena de prisão perpétua.

O que Mariana Mortágua poderia querer dizer, embora incorreto do ponto de vista técnico-jurídico, é que tanto o anterior, como o atual Código Penal, preveem, além das penas de prisão e de multa, medidas de segurança.

As medidas de segurança destinam-se a pessoas com perturbações mentais e que em liberdade poderiam ser perigosas para si ou para outrem.

Estas medidas não têm um limite temporal, como as penas, e findo esse limite deve ser reavaliado com critérios médicos, se há ou não há razão para manter a medida de segurança. Durante o Estado Novo, eram aplicadas aos opositores políticos e, embora não existisse prisão perpétua, havia presos (políticos) que ficavam sujeitos a uma reclusão que não tinha nada que ver com a saúde.

Seja como for, nunca Camilo Mortágua cumpriu efetivamente pena de prisão.

 




segunda-feira, 18 de março de 2024

quarta-feira, 13 de março de 2024

A GREIE A TERRA DicionátioHistórico e Biográfico dos Tempos de Brasa (1974-1975)

 

Nos cinquenta anos do 25 de abri de 1974, intentei uma visão de momentos que o contextualizaram, o precederam e o seguiram.

O livro que se apresenta, uma síntese sobre o período compreendido entre 25abr1974 e 25nov1975, contém a pretensão de ser legível e inteligível, sem constituir aborrecimento para o leitor, e evocar Alcobaça e a região (ainda que em prejuízo dos grandes centros populacionais) como exemplo do movimento social e político que lhes esteve associado, explorando as motivações dos autores a atores. Para tal desenvolvi um trabalho de reconstituição de fatores que estiveram na sua origem, tanto a partir de fontes escritas, como da memória oral, sem esquecer a minha. Foram rastreados os processos de construção da militância, notando o seu carácter essencialmente popular e rural, mas também o modo como a exigência do ideal se cruzou com a moralidade e a intimidade. Para além das entrevistas efetuadas há anos e aqui reutilizadas, recolhi novos depoimentos. Dar voz aos intervenientes, sem descriminação consciente, foi um dos objetivos, contrastando com a bibliografia e o discurso oficiais.

A parcialidade e subjetividade que rodeiam este trabalho podem ser imputadas pela crítica. Nesta temática, não existe imparcialidade, nem neutralidade ou escolhas objetivas, incolores ou asséticas, pois cada autor é movido por questões existenciais, identitárias, pela emotividade que rodeia o episódio vivido e contado e pela forma como se insere no seu percurso de vida. A presente intervenção, em suma, não é inócua, nem passiva, a seleção das questões, a condução para as diferentes temáticas, com menor ou maior habilidade, empatia e competência determinam o resultado que se apresenta e que, interpretado e vivido por outro, teria certamente resultados diferentes dos meus. Trabalhar com pessoas falecidas não diminuiu a responsabilidade, pelo contrário. A fonte oral, permite uma apreensão calorosa do que significava, muto especialmente no Norte/Centro de Portugal do último quartel do século XX, ser lavrador, proprietário, profissional liberal e outras categorias ocupacionais, cuja correspondência com as atuais, não se consegue estabelecer facilmente. A História não pode ser apenas o que conta uma pessoa, é o resultado do confronto de diferentes opiniões. A instrumentalização em prol de causas específicas, é negativa para a ciência que é a História. Não é de esperar que o historiador dos tempos do PREC ou o de hoje, ainda que seja o mesmo, utilize idêntica linguagem ou assuma os mesmos conceitos.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

EVOCANDO O 16 de MARÇO de 1974 (Caldas da Rainha)

 

EVOCANDO O 16 de MARÇO de 1974 

(Caldas da Rainha)

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

 

Fala-se fundamentalmente, com toda a razão e destaque, nos 50 anos do 25 de abril de 1974.

Embora muitíssimo menos relevante, é de assinalar os 50 anos do “levantamento” (abortado) de Caldas da Rainha, ocorrido a 16 de Março de 1974.

Por essa altura, encontrava-me na Guiné quase a terminar a comissão de serviço, este incidente teve ali forte impacto e deu esperanças para em breve mudanças significativas no “regime”  e no evoluir da questão colonial.

Provavelmente para alguns leitores, este incidente encontra-se esquecido, ofuscado, pois cerca de um mês depois ocorreu e com sucesso s revolução de que nos louvamos.

Alguns “ultra” do Estado Novo consideraram-no como “insurreição de opereta.” Marcelo Caetano, numa “Conversa em Família”(RTP 28mar1974), qualificou-o como “um triste episódio militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais que lamentavelmente produziu há dias”.

O “levantamento” de Caldas da Rainha é, todavia, apontado por alguns autores como o catalisador que aglutinou o oficialato em torno do MFA, o fio condutor para a adesão de quase todas as unidades militares à Revolução de Abril.

Na madrugada de 16 de março de 1974, uma coluna de cerca de duas centenas de militares comandada pelo Major Armando Ramos saiu do Regimento de Infantaria 5, de Caldas da Rainha, e tomou a estrada rumo a Lisboa. O objetivo era derrubar o governo de Caetano, para o que esperava o apoio de outras forças militares, nomeadamente de Lamego, Mafra e Vendas Novas.

A marcha prosseguiu até às portas da capital, quando houve conhecimento que nenhuma daquelas unidades tinha iniciado movimentação. Perante este cenário, foi decidido abortar o golpe e regressar ao quartel. Perto do Rio Trancão, pelas 6h30, a coluna foi mandada regressar. Em Lisboa, a PIDE tinha sabido da saída e havia montado um forte dispositivo militar de resistência à entrada.

Depois de chegarem a Caldas, os insurgentes/revoltosos foram cercados por forças fiéis ao “regime”, vindas de Leiria e de Santarém. Pelas 17 horas, após várias horas de negociações, os surgentes/revoltosos renderam-se. Detidos foram levados para a Trafaria, enquanto alguns elementos do Regimento foram transferidos para outras unidades militares. Chegava ao fim a insurreição que ficou conhecida como “levantamento” ou “intentona das Caldas”.

O “Gazeta das Caldas” (edição de 20 de Março) na melhor ortodoxia, registou que “politicamente importa afirmar aos que, no ultramar e no estrangeiro lerem estas linhas sendo portugueses, que nada, absolutamente nada aconteceu. Não suponham os nossos filhos e irmãos que asseguram a perenidade de Portugal, que afirmam a presença lusíada além-mar e que sustentam os combates de supressão do terrorismo, haver algo mudado na retaguarda. Esta é uma rocha em que podem sentir firme apoio”.

Gonçalves Sapinho contou-me, por alturas de 2011, que havia de sua parte uma ligação especial a dois capitães e sobretudo ao Maj. Serrano, 2º. Comandante da Unidade, de cuja casa era visita, o que lhe permitiu perceber que este participava em reuniões do futuro MFA, em Óbidos, embora isso nunca lhe tenha sido dito expressamente.

Falávamos de muita coisa, com à vontade, como reivindicações, greves, democracia e o 2º Comandante num jantar em sua casa, com três convidados que não identifico, questionou-nos sobre a possibilidade de ser desencadeada uma Greve de Zelo, o grau de adesão e a utilidade. Convergimos sobre a “certeza” que tal greve não tinha hipóteses de sucesso. Estas e outras situações, mostravam o “lirismo” de alguns oficiais”.

A 16mar1974, sexta-feira fria de nevoeiro, quando Gonçalves Sapinho se levantou, tomou conhecimento do movimento da coluna de militares do RI5 rumo a Lisboa que saíra “por volta das 4horas, liguei para casa do Major, 2º. Comandante, para saber o ponto da situação. Atendeu-me a esposa, que me disse que o Major meteu baixa nesse dia, que não tinha participado, alegando que era pai de três filhos”.

Isto é, o Major Serrano “borregou”, rematou Sapinho na sua típica terminologia beirã. De acordo com comunicados e notas oficiosas, a 17mar1974 “Reina a Ordem em todo o País”.

Embora não tivessem conversado com detalhe sobre a situação político-militar após o 16 de Março, Gonçalves Sapinho ainda lhe disse que era de opinião “que isto já tinha ido longe demais, e que era inevitável que acontecesse alguma coisa ainda”.

No dia 26 de abril, apareceram os primeiros militares saneados, e entre eles encontrava-se o 2º Comandante do RI5.

Otelo Saraiva de Carvalho ao “Gazeta de Caldas” (edição de 23mar2007), declarou que o “16 de março foi para mim um acontecimento de grande importância, independentemente de ter nascido de uma ação militar desorganizada e aventureira. A verdade é que essa ação acabou por constituir um ensaio de grande utilidade para elaborar o plano de ações para o 25 de Abril. Como “assisti” na rotunda da Encarnação, em Lisboa, à montagem do aparato bélico que esperava a coluna que vinha das Caldas, pude ficar a saber com que unidades não podíamos contar, quais as que havia necessidade de controlar e de que forma se organizavam as unidades militares e os órgãos militarizados. A missão para o 25 de Abril era muito concreta ao contrário do 16 de Março, que apenas serviu como balão de ensaio. O acontecimento em si foi uma derrota que não merece grande comemoração, mas para os que participaram ativamente naquele dia é um marco histórico”.

 

 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O alvorecer de abril

                                                O alvorecer de abril

                                                                                    

                                                                                       Cecília Franco Miguel

Naquela madrugada ao despertar, 

Os capitães unidos por um objetivo, 

A ditadura, conseguiram desmoronar, 

Em busca de paz e futuro merecido. 

No campo, na cidade, rua, ou lugar, 

A voz do povo, cantou libertação, 

Cravos na mão e corações a palpitar, 

Em busca de saúde, paz, educação. I

gualdade e justiça foram reivindicadas, 

A liberdade, um direito conseguido, 

Depois de sacrifícios e lutas travadas, 

O alicerce da nossa sociedade foi erguido. 

Cinquenta anos depois, a revolução ressoa, 

A memória da luta, jamais será apagada, 

Nos versos do tempo, a história ecoa,

Hoje, o povo recorda e celebra a jornada.

 Que o futuro seja construído com amor, 

Em cada dia haja um novo amanhecer, 

A esperança seja sempre o esplendor, 

E que os cravos continuem a florescer. 


domingo, 25 de fevereiro de 2024

IGUALDADE… ENTRE O QUE É IGUAL

 

 

 

IGUALDADE… ENTRE O QUE É IGUAL

 

FLeming de OLiveira

 

 

Os direitos fundamentais são princípios básicos, reconhecidos pelo Direito português, europeu e internacional, com vista à defesa dos valores e interesses mais relevantes que assistem a pessoas singulares e coletivas, independentemente da sua nacionalidade, sem exclusão dos apátridas.

O Estado Português, 50 anos depois do 25 de abril, tem a absoluta obrigação de respeitar os direitos fundamentais, de tomar medidas para os concretizar, seja através de leis, práticas administrativas e o exercício do poder judicial. Estão obrigadas a respeitá-los tanto as entidades privadas como as públicas, tanto os indivíduos quanto as pessoas coletivas.

À luz da nossa Constituição (1976), existem duas grandes categorias de direitos fundamentais; os “direitos, liberdades e garantias”, e os “direitos e deveres económicos, sociais e culturais”.

No respeitante aos primeiros, destacam-se o direito à liberdade, à segurança, à integridade física e moral, à propriedade privada, à participação política, à liberdade de expressão, à participação na administração da justiça, que correspondem ao núcleo fundamental da vivência numa sociedade democrática e de direito. Os direitos económicos, sociais e culturais, como por exemplo, o direito ao trabalho, à habitação, à segurança social, ao ambiente, enfim à qualidade de vida, são por vezes, de aplicação diferida.

Porquê? Dependem da alegada ocorrência de condições sociais, económicas ou políticas, sendo que a sua não concretização não atribui ao cidadão, em princípio, o poder de obrigar o Estado ou terceiros a agir, nem lhe confere o direito de ser efetivamente indemnizado por essa falta.

 

O princípio da igualdade, consagrado na nossa CRP é estruturante do Estado de Direito e implica que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual, e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Os Portugueses, hoje em dia, protestam muito, seguramente com razão, invocando o direito/dever a serem tratados com justiça e sem descriminações. São os agricultores, os agentes de autoridade, os utentes e servidores do Serviço Nacional e Saúde, os professores e tantos mais que este espaço seria pequeno para os referir.

Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade (legislativa e/ou governativa), não veda a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe as que que estabeleçam desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio, da discricionariedade.

A CRP, ao submeter os actos do poder legislativo e executivo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, integrantes de soluções normativas entre si, desarmónicas ou incoerentes. O carácter incongruente das escolhas do legislador e/ou governante, no entanto repercute-se na conformação desigual de situações jurídico-subjetivas, sem que para a aferição da desigualdade seja achada uma determinada razão. Em termos de constitucionalidade, setor onde nunca foi propriamente especialista, mas por força da atividade profissional tive de estudar, cumpre desde logo assegurar que, os normativos se mostrem racionais pelo conteúdo, impeçam disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, dito inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por motivo que se afigure compreensível face “a ratio” que ele pretendeu prosseguir, é que se pode censurar, por falta de razoabilidade, as escolhas do legislador ou do governante. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a mera verificação de uma menor racionalidade/razoabilidade ou congruência de um sistema, que se não repercuta no trato diverso de posições jurídico-subjetivas, não se podem emitir juízos definitivos. Nem através do princípio da igualdade, nem através do princípio mais vasto do Estado de Direito, o qual em última análise sustenta a ideia de igualdade perante a lei e através da lei, se pode garantir que sejam congruentes (ou não) as escolhas do legislador ou/e do governante.

O que os princípios proíbem inequivocamente, é a subsistência de regimes legais que impliquem para as pessoas, diversidade de tratamento não fundado em motivos razoáveis. Sei bem que é mais difícil assegurar a bondade destas asserções, que a sua concretização.

Uma animosa manifestante que não recusa a rua, disse-me recentemente sem acrimónia, mas com ostensiva condescendência, que falo como um doutor da velha “Escola de Coimbra”, que tudo isto é teoria, que careço de competência ou habilidade para governar (o que não refuto), que a sua a contestação, é equacionadas em termos realistas e imediatos, pois vida há só uma, e as oportunidades não se repetem.

Caros leitores, peço que me ajudem a responder-lhe de forma consistente e, eventualmente, voltar aqui com considerações mais práticas e percetíveis.

 

 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

EVOCANDO ARTUR JORGE E ALGUNS FACTOS DA “BRIOSA”

 

 

EVOCANDO ARTUR JORGE

E

ALGUNS FACTOS DA “BRIOSA”

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

 

Embora não seja um grande aficionado do futebol, fiquei incomodado com o falecimento (embora não imprevisto), aos 78 anos de Artur Jorge (Braga de Melo Teixeira). Tal como eu nascido no Porto, e quase da mesma idade, brincamos jogando bola de trapos, saltando ao eixo ou lançando o peão.

Como jogador de futebol a sério, foi avançado e começou a carreira no FC Porto, antes de rumar à Académica de Coimbra, onde estudou na década de 1960 e com quem privei regularmente, embora ele fosse aluno na Faculdade Letras. Ao tempo os jogadores da AAC eram estudantes, na maioria universitários. Encontrávamo-nos no Café Mandarim (na Praça da República) e por vezes nos copos, no que era comedido por natureza e razões desportivas, muitas vezes com a companhia do Toni.

Foi na Académica que começou a afirmar-se como um dos melhores avançados do campeonato (creio que aí o seu estatuto era semi profissional), o que confirmou como profissional no Benfica, onde jogava o Eusébio, somando  golos e troféus. Quando o Benfica jogava em Coimbra, Artur Jorge era recebido com carinho, sem azedume e, raramente, com assobios.

Quando arrumou as chuteiras, iniciou a carreira de treinador no Belenenses, depois no Portimonense, antes de assumir, com Pinto da Costa na presidência, o comando técnico do FC Porto. Em 1986/1987 viveu o momento alto da carreira, ao conquistar a Taça dos Clubes Campeões Europeus em Viena de Áustria, com um memorável triunfo por 2-1 sobre o Bayern, de Munique e o golo de calcanhar do Madjer.

Rumou depois a França, para orientar um Paris Saint-Germain, menos conhecido do que atualmente. E guiou os parisienses à conquista da Taça de França e, depois, ao que ao tempo foi o segundo título de sempre como campeões francês. Por essa altura, em virtude do sucesso, já muitos lhe tinham dado o cognome de Rei Artur.

A partir daqui só nos encontramos uma ou duas vezes, sendo a última em 2004 em Gelsenirchen, por acaso e à entrada do estádio.

O falecimento de Artur Jorge leva-me a trazer algumas evocações.

No dia 25 de Junho, de 1939 a Académica conseguiu a maior conquista desportiva da sua História (até então), ao ganhar a primeira Taça de Portugal, competição que substituiu o denominado Campeonato de Portugal. Depois de eliminar o Covilhã, o Académico do Porto e o Sporting, a Académica teve pela frente, no jogo decisivo, o Benfica. Perante cerca de 30 mil espectadores, no Campo das Salésias, a Académica venceu os lisboetas por 4-3. Os festejos duraram dias e Coimbra recebeu em êxtase os seus heróis. Foi nesta altura que se tornou famoso o grito de vitória dos adeptos da Académica: “São horas de emalar a trouxa/ Boa noite, Tia Maria./ Que a Briosa ganhava a Taça,/ Obrigado! Já cá se sabia!”.[

No verão de 1961 um jogador da Académica protagonizou a primeira grande transferência de um futebolista português para o estrangeiro. Jorge Humberto, estudante de Medicina, transferiu-se para o poderoso e famoso Inter de Milão.

No campeonato de 1966 /1967 a Briosa terminou na segunda posição atrás do Benfica, naquele que foi um intenso duelo e que durou até final e acompanhei de perto. Três pontos separaram as duas equipas no final do campeonato, que coroou Artur Jorge como segundo melhor marcador da competição, apenas ultrapassado por Eusébio.

Em 1969, a Académica atingiu a final da Taça de Portugal. O jogo decorria com superioridade da Académica que chegou a estar em vantagem, mas o Benfica deu a volta ao resultado no prolongamento. O encontro entre a Académica e o Benfica foi muito mais que um jogo de futebol. A final da Taça de 1969 foi seguramente a mais politizada de todas que se disputaram. A crise estudantil de 1969 estava ao rubro, a Académica estava solidária com os estudantes e a Direção Geral da AAC aproveitou o jogo para dar visibilidade às suas reivindicações. Foi a primeira vez que a final da Taça não teve transmissão televisiva e nem o Presidente da República, nem o Ministro da Educação marcaram presença.

A 25 de maio de 2012, após um jejum de 73 anos, a Académica conquistou a sua segunda Taça de Portugal com vitória frente ao Sporting.

A Associação Académica de Coimbra, que atualmente joga na terceira divisão do futebol português, é herdeira da Secção de Futebol da Associação Académica de Coimbra, o que lhe vale o epíteto de "equipa dos estudantes", já que até à década de 1970 a grande maioria dos jogadores eram universitários, como referi.

É hoje, na prática, um clube independente em relação à casa-mãe, que de resto mantém uma secção amadora de futebol que disputa as distritais, bem como modalidades, como basquetebol, rugby, canoagem, natação, voleibol, ténis, ou andebol.

Como as equipas da casa-mãe, é designada normalmente apenas como "Académica", e carinhosamente de "Briosa", alcunha que advém da entrega com que normalmente se batiam as suas equipas de estudantes.

Um dos acontecimentos mais importantes na década de 1920 foi o nascimento do símbolo que a Associação Académica de Coimbra/AAC adotaria de forma definitiva. Após tentativas que não foram do agrado, a Académica decidiu utilizar um novo símbolo, que contemplava as iniciais “AAC”, numa partida com o Sporting e cujo objetivo era “vingar” a derrota na final do Campeonato de Portugal. Contudo, a Académica seria derrotada e as “culpas” foram atribuídas ao novo emblema que, por isso, foi ostracizado. Na época 1927-1928, o estudante de Medicina, Fernando Ferreira Pimentel, a pedido do dirigente Armando Sampaio, desenhou o atual símbolo, que passou a ser usado e se mantém.